terça-feira, 31 de maio de 2011

Comité Basileia

Muito se tem falado das agências de rating nos tempos que correm, com todos a pôr em causa o seu trabalho e a sua idoneidade. Fala-se até da possibilidade da criação de uma agência europeia, ligada ou não, ao BCE ou á Comissão Europeia. Na minha opinião, era um passo importante, mas sempre tendo em consideração em que não se repitam os mesmos erros do passado, ou seja, dar-lhe poder a mais.

Para quem não sabe, quem deu este poder todo às agências de rating foi o comité de Basileia. Este comité tem como objectivo definir as regras prudenciais dos bancos. Define rácios e ponderadores de capitais para os bancos. Estes acabam por ser os guidelines para os investimentos dos bancos. Que irão sempre procurar investir naquilo que terá menos peso nos balanços com a melhor rentabilidade.

Com Basileia I os ponderadores de consumo de capital estavam indexados ao risco país e ao tipo de investimento. Havia pouca dependência do rating, só em alguns casos é que era considerado.

Mas com a introdução de Basileia II em 2004, todo isso mudou. Passando os ponderadores de capital a depender do rating que era atribuído pelas agências. Desta forma, qualquer produto de investimento que um banco quisesse investir, era fundamental ter um bom rating. Dessa forma, pesava menos no balanço e teoricamente teria menos risco. Mas essa avaliação de risco era exclusiva das agências de rating, passando elas a ser determinantes da escolha de investimentos dos bancos.

Foi assim que se criou a bolha dos produtos estruturados de crédito que rebentou em 2007, com os famosos ABS (Asset Backed Securities), CLO (Collateralized Loan Obligations), CDO (Collateralized Debt Obligation), etc. Onde se vendeu risco com o carimbo de “sem risco” das agências de rating.

Neste momento, os bancos já trabalham com Basileia III, onde se manteve este “poder” das agências de rating. Criou também mais uma falsa realidade. Os bancos passaram a ter que ter uma “pool” de activos “sem risco” e liquidos para garantir a liquidez do banco. Foram penalizados fortemente os títulos de instituições financeiras e considerou-se activos sem risco e com alta liquidez títulos de dívida pública... O resultado está à vista de todos.

O problema reside em quem toma todas estas decições. O Comité Basileia é constituído por “teóricos” da contabilidade, da análise financeira e auditores que, de mercados, pouco ou nada percebem. Tudo isto está a levar a erros constantes de avaliação e à destruição do sistema financeiro.

quarta-feira, 18 de maio de 2011

Estatísticas e “Inglês Técnico”

Entraram agora na campanha os famosos cursos das “Novas Oportunidades”. Já dediquei, neste blogue, um comentário ao tema e penso que todos sabem o que acho disto. Realisticamente, é uma mera operação estatistica, para afirmar que temos cada vez mais pessoas com o 12º ano completo, logo com maior conhecimento, melhor educação.

Mas será isso verdade? Será que um curso que se tira em 3-4 meses, a contar uma pseudo-história de vida, substitui o estudo da matemática, português, fisico-quimica, etc. durante 3-6 anos?

Termos mais conhecimento não passa por termos um papel, passa por sabermos mais e saber também como usar esse conhecimento. Como podemos dar o 9º-12º ano a quem mal sabe escrever português ou é incapaz de um raciocínio matemático elementar?

Mas atenção, não estou a dizer que as pessoas que tiram este curos não têm valor. Claro que têm. Alguma optaram por os tirar para enriquecer o seu curriculo, outras tiraram por obrigação, para garantir o subsídio de desemprego.

Mas, independentemente de tudo, não podem dizer que estão tão bem preparadas, com os mesmos conhecimento de quem estudo durante anos para ter o ensino obrigatório completo.

Isto demonstra claramente o facilitismo que este governo aplicou na educação, dentro e fora do sistema escolar. Transmite uma ideia de facilidade aos nossos jovens.

Como é que se explica a alguém que tem que estudar e ser avaliado durante vários anos, enquanto outros, em poucos meses e com menos exigência, conseguem o mesmo grau académico? Não se explica.

Afinal, talvez se explique com a carreira académica do nosso primeiro-ministro...

terça-feira, 17 de maio de 2011

Crescimento Económico

Na semana passada, o Eurostat revelou os dados da conjuntura económica nos 27 países da União Europeia referentes ao primeiro trimestre de 2011.

Ficámos a saber que apenas, repito, apenas Portugal teve uma queda no seu crescimento económico. Todos os outros países cresceram, incluindo a Grécia e a Irlanda.

É um facto que, no trimestre anterior, a Grécia tinha tido um crescimento negativo de 2.8% e, por isso, os 0.8% de crescimento do PIB grego entre Janeiro e Março são a correcção de uma trajectória desfavorável.

A economia grega continua em grandes apertos e a Comissão Europeia prevê que os gregos vão contrair 3.5% este ano, comparando com os nossos 2.2% negativos em 2011.

No entanto, a Comissão está a prever que em 2012 Portugal será a única economia ainda em recessão, com a Grécia já em trajectória de crescimento positivo.

Mas, ouvindo o nosso primeiro-ministro, os dados de Portugal são uma surpresa! (para os distraídos, estou a refugiar-me na ironia...)

Para quem anda a vender que estamos numa crise europeia, onde todos andamos a passar pelo mesmo, pelas mesmas dificuldades, pelos mesmos caminhos, deverá ser difícil de explicar.

Mas não, não é. A culpa é da austeridade. Provoca recessão. Desemprego. Quebra do investimento e do consumo.  

Mas agora pergunto, de quem é a culpa da austeridade?

Será do montante gigantesco de dívida que andámos a acumular nos últimos anos?

Não, não é. A culpa é da oposição que não aprovou o PEC IV.

Mas agora pergunto, porque é que tinhamos de aprovar o PEC IV?

Será do montante gigantesco de dívida que andámos a acumular nos últimos anos?

Não, não é. A culpa é da falta de crescimento económico e do PEC III que não era suficiente.

Mas agora pergunto, com tanto investimento público, não crescemos, e o PEC III não foi suficiente?

Será do montante gigantesco de dívida que andámos a acumular nos últimos anos?

segunda-feira, 16 de maio de 2011

Mercados e Políticos

A Bloomberg fez recentemente um survey junto dos mercados financeiros sobre a possibilidade de reestruturação da dívida grega. Mais de 85% dos analistas do painel dos inquiridos acreditam que não haverá outra solução para a Grécia. E desses, 59% dizem que Portugal e a Irlanda vão pelo mesmo caminho. Isto são os mercados a falar.

Como vimos, especialmente nestas duas semanas, para os mercados a reestruturação é uma solução penosa e difícil. Os investidores estão nervosos, sabem que vão perder dinheiro, mas sabem também que, mesmo com receio das consequências que isso terá para eles, não há outra solução para resolver a crise das dívidas soberanas europeias.

Os políticos nem querem ouvir falar de reestruturação de dívidas soberanas, para eles existem sempre outras soluções. Essas soluções apenas compram tempo, a um preço cada vez mais caro, e adiam um problema que se vai agravando à medida que a confiança dos investidores vai diminuindo.

No final do dia, estamos a falar de economia e de dinheiro. Ter ou não ter dinheiro, ter ou não ter capacidade de pagar os créditos, os juros. É apenas isso. E será que a política conseguirá “transformar” uma argumentação rígida em dinheiro…?

As economias europeias mais fracas, cada vez mais endividadas e em ambiente recessivo, com quebras brutais no investimento público e privado, ameaçadas por fracturas sociais que podem revelar-se muito graves, alguma vez irão gerar riqueza, suficiente e sustentada, para pagar as suas dívidas nos montantes e nos prazos acordados com os credores? 

Os mercados não acreditam. Os políticos dizem que sim. Quem terá razão…?

quinta-feira, 5 de maio de 2011

O Nosso Problema…

Hoje todos admitem que o problema de Portugal foi o nível de endividamento a que chegámos, retirando recursos e dinamismo à nossa economia. Mas não foi por falta de avisos.
Já muitas personalidades tinham avisado para as consequências do caminho que estávamos a percorrer.
E realmente nós, portugueses, tivemos uma oportunidade para mudar radicalmente de rumo e fazer com que esta história terminasse de outra maneira.
Não soubemos e não percebemos. Preferimos a crítica fácil e o ataque pessoal. Matámos o mensageiro. Fizémos troça de quem nos avisava...
Mas, como diz o velho ditado, quem ri por último, ri melhor.
Deixo aqui um vídeo só para vos refrescar a memória. Obviamente, o filme é do Bloco de Esquerda que fez esta montagem para ridicularizar a pessoa em questão, retirando-lhe as frases do contexto.
Mas, a verdade está lá toda…

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quarta-feira, 4 de maio de 2011

Contabilidade Criativa

Para quem não sabe, os bancos têm quatro maneiras de contabilizar todos os produtos de investimento que têm em carteira:
Activos Financeiros Disponíveis para Venda
Contabilizados ao valor de mercado com reavaliação diária dos preços a ser registada por contrapartida de Reservas (afecta o Capital Próprio)
Activos Financeiros Detidos para Negociação
Contabilizados ao valor de mercado com reavaliação diária dos preços a ser registada por contrapartida de Resultados (afecta o Resultado Líquido)
Activos Financeiros ao Justo Valor por contrapartida de resultados
Igual a “Activos Financeiros Detidos para Negociação” mas geralmente são aqui colocados os activos que têm derivados embutidos
Activos Financeiros Detidos até à Maturidade
Contabilizados ao preço amortizado (preço histórico a tender linearmente para o “par”) pelo que as variações de preço não afectam nem reservas nem capital.
E é nestes últimos que temos os grandes problemas. Nas carteiras de “Activos Financeiros Detidos até à Maturidade” os bancos têm de tudo. Desde títulos de dívida pública, produtos estruturados de crédito, etc.
Estes são activos que contabilisticamente podem ter um valor alto, perto do “par”, mas cujos valores de mercado podem reflectir perdas acima de 30%. Quer isto dizer que, recorrendo a esta contabilização, os activos dos bancos estão, em grande parte, sobrevalorizados. E assim se vão aguentando...
Só se contabilizam as perdas em títulos detidos até à maturidade quando é evidente a perda de capital, a chamada” imparidade”. Mas isso acaba sempre por ser uma discussão técnica com os auditores, dado que podemos ter perdas (elevadas) em previsão mas que ainda não entraram em “default”, ou seja, incumprimento.
Será interessante também ver os resultados dos próximos testes de stress, dado que ao contrário do que aconteceu em 2010, estas carteiras vão ser avaliadas nos testes deste ano.
A verdade é que se os bancos tivessem que fazer, neste momento, uma valorização de mercado, de todos os seus títulos detidos até à maturidade, chegaríamos à conclusão que todos eles estão na bancarrota.
É por isso que, quando vemos os bancos a apresentar resultados de milhões, tudo isso é fictício. São apenas resultados contabilísticos, que (muito) facilmente se conseguem redesenhar. Eu diria mesmo que, dadas as regras contabilísticas, um banco quase que consegue escolher os resultados que quer ter no final do ano…
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terça-feira, 3 de maio de 2011

O “Deleverage” dos Bancos Portugueses

O Banco de Portugal escreveu aos nossos bancos a exigir-lhes que, a partir de agora, sempre que queiram aumentar a “pool” dos activos elegíveis para report junto do BdP, ou seja, aumentar as suas necessidades de financiamento junto do BCE, terão que informar previamente o banco central e justificar todas as operações.
Para mim, isto não é mais que uma tentativa para conseguir duas coisas. A primeira, é inibir os nossos bancos de continuarem a ir buscar liquidez  junto do BCE e obrigá-los a fazer, finalmente, um “deleverage” dos seus balanços.
Quem é que vai pedir ao Banco de Portugal para aumentar a sua “pool” tendo que justificar os detalhes da operação preto no branco? E qual seria a justificação?
Vamos imaginar alguns cenários ....
Carta Modelo A
“Caro Banco de Portugal, estou curto na tesouraria e precisava de uns trocos aqui para o meu lado…”
Carta Modelo B
 “Caro Banco de Portugal, queremos deixar aí a nossa carteira de títulos porque gostamos muito de vocês e já que vocês são uns queridos…”
Acham que é possível? Eu também não ... 
A segunda finalidade desta directiva do BdP é conseguir que os bancos deixem de financiar o Estado, através da compra dos seus títulos, em leilões de dívida. Acabar, de uma vez, com a intoxicação interna que já denunciámos neste blogue e que representa um risco para o nosso sistema financeiro.
Nenhum banco consciente vai arriscar a sua liquidez, investindo em títulos de dívida pública, sabendo que não os vai poder colocar no BCE como colateral para “recuperar” essa mesma liquidez. Qualquer investimento em títulos, por parte de um banco, a partir de agora, terá que ser muito bem pensado e tem que incorporar obrigatoriamente um “deleverage” de balanço.
Começamos a ver os resultados das reuniões com a “troika”, implementando estratégias concretas para começar o difícil caminho que nos espera a todos e que também passa pelos nossos bancos.  
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segunda-feira, 2 de maio de 2011

Relações Laborais e Produtividade

Agora é tempo de fazer as reformas necessárias no mercado de trabalho para sermos mais produtivos. Muitos confundem produtividade com regalias no trabalho. Tentam passar a ideia que, com mais regalias, seremos mais produtivos.
Em parte, é verdade. A grande questão é saber de que tipo de regalias estamos a falar porque elas não são todas iguais.
Se estamos a falar de prémios ou bónus, associados a objectivos de desempenho, isso realisticamente aumenta a produtividade do trabalhador. Ele fará tudo para cumprir os seus objectivos e para ser recompensado.
A produtividade também aumenta com melhores condições de trabalho, local agradável, bom ambiente, actividades extra-laborais como ginásio, piscina, creche para os filhos, etc. Passará também por um “management” competente, que premeia o mérito e a competência, focado na rentabilidade da empresa, deixando de lado os interesses pessoais e quezílias. Tem que saber motivar, ser líder e ter espírito de grupo.
Agora, quando falamos de regalias no âmbito da “garantia” do posto de trabalho, esse tipo de regalias só afecta a produtividade. É deixado de lado o mérito em favor do “direito” ao emprego, que leva depois a um “relaxar” da produtividade por parte do trabalhador.
Não se pode ficar com um emprego por decreto, mas sim por competência. Ocupar um lugar, sem mérito, que podia pertencer a alguém com mais valor, maior capacidade de trabalho, melhor produtividade, é condenar essa empresa a ser menos competitiva e a enfraquecer a sua posição no mercado.
A questão aqui é a própria natureza humana. Quem não percebe isto e não vê a sua importância nas relações laborais, não está a entender um dos aspectos fundamentais do sucesso ou do fracasso na economia.
 Todos nós necessitamos do factor “cenoura”, do factor motivação, para demonstrar as nossas capacidades, sermos puxados aos limites para atingirmos os nossos objectivos. E com isso, teremos tudo por mérito e não por decreto…
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domingo, 1 de maio de 2011

Reestruturação de Dívida Soberana – A Solução

A solução para o nosso país terá que passar pelo “deleverage” da nossa economia. Este será o primeiro passo numa caminhada dolorosa que nos fará sair deste beco escuro para onde fomos conduzidos.
A ilusão que nos venderam quando aderimos ao projecto europeu, que os nossos salários e os nossos padrões de consumo se equipariam aos dos outros países europeus, era uma ficção com a nossa produtividade, alimentada pelos bancos com o recurso ao crédito fácil e barato pós-euro.
Ninguém teve a lucidez e a coragem de explicar aos portugueses que não podiamos receber o mesmo salário fazendo menos e fazendo pior. Na união económica e monetária, a competitividade é um factor crítico de sucesso. A verdade é que fomos uma economia demasiado fraca, com uma moeda demasiado forte, por demasiado tempo.
Ora, neste momento, só seremos competitivos pela deflação da nossa economia, através da redução dos custos de produção do lado do trabalho, ou seja, pelo corte dos salários.
Iremos fazê-lo num ambiente económico hostil, com os custos do petróleo, a cotação do euro, a taxa de inflação e a tendência das taxas de juro, a apontarem tudo no mesmo sentido, ou seja, em alta.  
Mas, se fizermos tudo bem, teremos um futuro melhor. Teremos uma mão-de-obra mais qualificada, com ordenados mais baixos, activos mais baratos, uma moeda forte e estável. Estes serão os nossos pontos fortes que devemos aproveitar e não repetir os erros do passado.
Rapidamente, conseguiremos aumentar as nossas exportações, dado o elevado nível de qualificação aliado a uma mão-de-obra mais barata.
O euro será um factor positivo, dando aos investidores estrangeiros segurança para investirem em Portugal. Irão rapidamente perceber que os nossos activos se desvalorizaram, chegando ao ponto atractivo de compra dadas as nossas perspectivas de crescimento sustentado.
Voltaremos a ter níveis de endividamento, público e privado, dentro da razoabilidade e, aos poucos, voltaremos a ter acesso ao crédito.
O euro será o grande ponto forte da nossa economia, será o factor que dará a confiança necessária aos investidores para colocarem aqui o seu dinheiro.
Este será o único cenário que nos tirará deste beco sem saída, de uma forma sustentada e com crescimento futuro. Qualquer outra solução, será apenas mais uma ilusão para português ver, disso não tenho a mínima dúvida.
Mas será que iremos por este caminho? Eu espero que sim. Mas tenho medo que quando as dificuldades aparecerem, que serão muitas, os Portugueses optem pelos vendedores de ilusões, pelos que vendem soluções mais fáceis, mas que no final do dia, o que nós venderam não valia nada mesmo…
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